21/06/2020

A retenção da CTPS pelo empregador pode ensejar em dano moral?


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A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é um documento que demonstra todo histórico da vida laboral do trabalhador, garantindo o acesso aos direitos trabalhista, bem como, sendo um importante meio de prova para fins previdenciários. Diante disso, surge o questionamento, a retenção indevida desse documento pelo empregador poderá ensejar em responsabilização por dano moral?

De início é importante mencionar que, a atual redação do artigo 29 da CLT estipula o prazo de 5 (cinco) dias úteis para que o empregador efetue as anotações na CTPS do trabalhador, bem como, o parágrafo 8º do mencionado dispositivo determina que o trabalhador deverá ter acesso às anotações de sua carteira de trabalho em até 48 (quarenta e oito) horas, contadas da sua anotação.

Assim, em um primeiro momento a resposta a esta pergunta seria simplesmente SIM, visto que, é pacífico em nossos Tribunais que a retenção indevida da CTPS pode SIM acarretar em responsabilização por dano moral, no entanto, a grande discussão reside no fato da retenção indevida, por si só, já ensejaria no dano moral ou se seria ônus do empregado provar os danos suportados pela retenção ilegal da CTPS.

Dano moral presumido versus necessidade de comprovação do dano efetivo

Diante desta divergência de entendimentos, vamos procurar pontuar os principais argumentos utilizados por cada uma das linhas adotadas, buscando uma melhor compreensão sobre o tema, da forma mais clara e objetiva possível.

Para a corrente que adota a posição de que a condenação ao dano moral no caso de retenção indevida da CTPS necessita de comprovação do efetivo dano suportado pelo trabalhador, o argumento utilizado é que a simples retenção não gera qualquer dano, mas sim um mero aborrecimento, não afetando os direitos de personalidade do trabalhador, de maneira que este deve demonstrar ao juízo, que por ter sido privado de sua carteira de trabalho teve grandes prejuízos, como por exemplo o impedimento de uma nova contratação em razão da ausência da carteira de trabalho não estar em seu poder, criando assim, uma angústia e sofrimento além do normal.

Desta forma, para esta corrente, o ônus probatório recai sob o reclamante, sendo que, seu pedido será indeferido caso não demonstre de maneira satisfatória o dano efetivo que sofreu por ausência de sua carteira de trabalho. Neste sentido, encontramos a Súmula 14 do TRT da 23ª Região, bem como, inúmeras jurisprudências de outros Tribunais Regionais, valendo-nos citar uma recente decisão da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do processo 1001059-12.2019.5.02.0211, que reformou a decisão de primeiro grau, excluindo a condenação de pagamento por danos morais em razão da retenção indevida da carteira de trabalho.

Em sentido contrário, a outra corrente entende que o dano moral em razão da retenção indevida da CTPS é presumível, ou seja, não havendo necessidade de prova-lo. O argumento utilizado por esta corrente é que a conduta ilícita do empregador é elemento suficiente para caracterizar o dano moral, independente da prova efetiva do dano, sendo assim, o dano moral é presumido (in re ipsa), portanto, o fato do empregador não realizar a devolução da carteira de trabalho do trabalhador dentro do período determinado para anotação já faz com que este seja responsabilizado por danos morais.

O nosso Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), tem seguido esta segunda linha, embora não tenha firmado nenhuma orientação jurisprudencial ou súmula sobre o tema. A Corte Superior tem entendido no sentido de que a retenção da Carteira de Trabalho pelo empregador por tempo superior ao estipulado em lei seria suficiente para caracterizar o dano moral.

Neste sentido, podemos citar recente julgado em que a sexta turma do TST explana seu posicionamento sobre o assunto, entendendo que a simples retenção indevida da CTPS do trabalhador seria elemento hábil a ensejar o pagamento de indenização por dano moral, uma vez que afronta a dignidade da pessoa humana e os valores socias do trabalhador, sendo o dano presumível (in re ipsa), desta forma, basta a comprovação da conduta ilícita praticada pelo empregador, sem a necessidade de demonstrar o efetivo dano experimentado pelo empregado.

Aplicação da Teoria do risco produtivo

Dentro desta segunda corrente é possível também verificar que alguns julgadores tem aplicando a teoria contemporânea do risco produtivo no direito do trabalho, oriunda do direito do consumidor, a qual tem o escopo de resguardar o tempo produtivo despendido pelo consumidor na resolução de problemas causados pelo fornecedor, em razão da má prestação de serviço, constituindo nessas situações, dano indenizável.

Entende-se que a perda do tempo livre na atualidade, ultrapassa o mero aborrecimento, bem como, devido o tempo ser um bem extrapatrimonial não há possibilidade de ressarcimento ou devolução do tempo gasto para resolver infortúnios ocasionados pelo fornecedor, de modo que seja devida a repercussão na esfera da responsabilidade civil.

Assim, a retenção indevida da CTPS do trabalhador, obrigando-o a despender seu tempo para solicitar a devolução de seu documento, deixando de utilizar do seu tempo livre para praticar outras atividades que entenda ser conveniente, caracterizaria a responsabilização por danos morais.

Da carteira de trabalho digital

Um outro ponto que certamente passará a ser integrante desta discussão é o fato da inovação da carteira de trabalho digital, que a partir de setembro de 2019 passou a substituir o documento físico, assim, no momento da contratação não será mais necessária a apresentação da carteira de trabalho física, bastando informar o CPF para fins de verificação das informações e contratação, fato esse que futuramente levará ao fim ou a mudança do foco desta discussão.

Segundo portaria nº 1.065/2019 editada pelo Ministério da Economia e Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a carteira de trabalho digital será preferencialmente utilizada, sendo que, todos os inscritos no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas terão sua carteira de trabalho digital emitida automaticamente, fazendo-se necessária apenas a habilitação do trabalhador para o acesso.

Diante de todo o exposto, entendemos que com a substituição da carteira de trabalho física pela digital, o trabalhador não seria mais diretamente prejudicado, tendo em vista que a via física do documento deixou de ser elemento essencial para a contratação. Assim acreditamos que esta discussão chegará ao fim em um futuro próximo, entretanto, outras questões de dano moral ainda podem permanecer como por exemplo aquele decorrente da falta de anotação na CTPS.

TST Processo: RR - 13052-10.2015.5.15.0062

TRT Processo nº 1001059-12.2019.5.02.0211 -

http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta014&docId=d6d0f0e1dc63173eb946f31f7e9e1522bdd3b56b&fieldName=Documento&extension=html#q=

Portaria Ministério da Economia

http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.065-de-23-de-setembro-de-2019-217773828