23/12/2019

Atos realizados fora do ambiente ou horário de trabalho, podem acarretar em alguma penalidade ao empregado?


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A princípio a primeira resposta que vem a cabeça de todos seria, “lógico que não”, pois em regra, não se deveria misturar as situações cotidianas vivenciadas na vida particular do empregado com sua vida profissional.

Principalmente porque na vida profissional o empregado se encontra sujeito a autoridade patronal, em razão dos poderes que este detém em direcionar e disciplinar o empregado, derivados da subordinação jurídica da relação de trabalho, já na vida particular é o próprio empregado em decorrência de sua vontade, que irá regular os seus afazeres particulares e pessoais.

Diante disso, não poderíamos mencionar que estariam totalmente equivocados aqueles que defendem que o correto seria separarmos através de um muro instransponível a vida particular do empregado da sua vida social, no entanto, tal resposta claramente não se amolda às exigências sociais e jurídicas, principalmente diante da modernização da sociedade.

Neste sentido, inclusive é o que podemos verificar na recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (Processo nº TST-RR-11276-14.2015.5.03.0060), ao entender que a exigência da realização de teste etilômetro (bafômetro) aos empregados não caracterizaria nenhum ato ilícito pelo empregador, independente da função que o empregado exerça na empresa. O Tribunal não acatou os argumentos do funcionário, no sentido de que tal fiscalização realizada no início da jornada de trabalho era voltada, exclusivamente, a analisar atos da vida social do empregado realizados fora do ambiente de trabalho, violando assim sua privacidade.

Neste mesmo julgado, ainda é possível verificar a existência de farta jurisprudência do mesmo Tribunal Superior, convalidando a implementação por empresas de programas de controle e prevenção a utilização de drogas/dependência química, mesmo para funções que não sejam de motorista, onde normalmente esse teste já é utilizado. 

Frisa-se ainda que, apesar de a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) possuir em seu artigo 482 um rol taxativo de condutas do empregado que, ao serem cometidas autorizariam ao empregador a dispensa do trabalhador por justa causa, devemos destacar que, algumas alíneas deste rol permitem uma interpretação abrangente de condutas do empregado, podendo assim vir a ser aplicado em alguns casos para condutas realizadas fora do ambiente e horário de trabalho.

Assim, além do ato mencionado no julgado acima, e dos clássicos casos de penalização de agressões físicas e verbais cometidas por empregados fora do ambiente ou horário de trabalho, verificamos cada vez mais a atenção dos empregadores na evolução da tecnologia, que proporciona (às vezes para o lado bom, às vezes para um lado ruim) um ambiente social totalmente vigiado, por câmeras fixas e câmeras de celulares, sendo fato notório que hoje a divulgação de imagens e vídeos alcançam patamares nunca antes imaginados, o que em alguns casos poderia acarretar em danos irreparáveis a imagem da empresa.

Desta forma, cresce cada vez mais os casos de implementação por empresas de políticas e regulamentos internos que tratam de assuntos e condutas inerentes a vida social do empregado, visando com que este não venha a cometer “excessos” que tragam reflexos negativos, mesmo realizados “fora do ambiente laboral”.

É certo que o empregador também deve tratar tais assuntos com extremo cuidado, visto que, é uma linha muito tênue entre os deveres profissionais e os direitos do empregado, sob pena de vir a ferir a liberdade pessoal e os direitos de personalidade do empregado.

Diante da era digital que nos vivemos, deve o empregado saber que não existem muros intransponíveis nesta matéria, ao contrário, temos que ter em mente conceitos mais modernos como equilíbrio, razoabilidade, justa medida e proporcionalidade na análise e consideração de condutas da vida pessoal, perante seus desdobramentos na vida profissional, motivo pelo qual, políticas e regulamentos internos podem e devem servir como dique de contenção e orientação para ajustar a linha tênue entre a vida social e profissional.