03/04/2020

Em caso de demissões em razão da Pandemia o Estado deve arcar com as verbas indenizatórias?


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Inicialmente, antes de qualquer apontamento quanto a possibilidade da adoção pelas empresas do dispositivo legal citado, é necessário compreender em que contexto está inserido o artigo em análise, bem como, sua abrangência e aplicação, para só então utilizá-lo de uma forma consciente e segura.

O artigo 486 da CLT dispõe que:

“No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”

O dispositivo em apreço determina que, caso ocorra suspensão da atividade de trabalho, ainda que temporariamente, por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, que ocasione na dispensa de trabalhadores, a responsabilidade do pagamento da indenização recairá sobre a autoridade governamental responsável pelo ato que determinou a paralisação.

Tal determinação é oriunda de um instituto conhecido como “Teoria do Fato do Príncipe”, que surgiu do direito administrativo e foi implementado ao direito do trabalho. No âmbito trabalhista, com o objetivo de proteger as atividades empresárias e consequentemente as relações de trabalho, este instituto ocorre sempre que a administração pública, por meio de lei ou ato administrativo, impossibilita que o empregador execute sua atividade, influenciando diretamente na rescisão dos contratos de trabalho. Assim, quando ocorrer este evento, a autoridade governamental terá sua parcela de responsabilidade.

Apreciando o dispositivo legal mencionado, é importante compreender quais verbas rescisórias a autoridade governamental possuirá responsabilidade com o rompimento do contrato de trabalho por ato de sua titularidade.

Nesse sentido, é pacífico em nossa jurisprudência, que na ocorrência do artigo 486 da CLT, o Poder Público será responsável pelo pagamento da multa sobre o saldo do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço, além disso, existe uma grande discussão sobre a responsabilidade do Poder Público no tocante ao Aviso Prévio e seus reflexos, sendo que,  as demais verbas rescisórias serão todas de responsabilidade da empresa.

Nas últimas semanas grandes discussões surgiram sobre a possibilidade do “Fato do Príncipe” ser aplicado à situação atual do Brasil devido à pandemia do coronavírus - COVID-19 – isto porque, foram tomadas medidas pelo governo que determinaram a suspensão de atividade do comércio, como shoppings, restaurantes, lojas, cinemas, dentre outros não considerados essências.

Não há dúvidas que depois de superada essa pandemia, surgirão inúmeras demandas trabalhistas acerca do assunto, entretanto, devemos alertar aos empresários que, ainda não se sabe qual o posicionamento a ser adotado por nossos Tribunais, uma vez que, o ato governamental que determinou a quarentena, com a consequente paralisação da atividade empresarial é justificável ante o surto de uma pandemia, inclusive, sendo esta medida adotada mundialmente.

Desta forma, antes de adotar qualquer conduta relativa à dispensa de funcionários, confiando na responsabilização da autoridade governamental que determinou a suspensão da atividade empresarial, o empregador deve ter cautela e se conscientizar dos riscos, principalmente da possibilidade de interpretação pelos Tribunais no sentido da inaplicabilidade do artigo 486 da CLT diante da atual conjuntura.

Por fim, devemos relembrar que os empregadores possuem outras alternativas hábeis a atenuar os danos da pandemia do coronavírus nas relações de trabalho, diante da flexibilização de regras editadas pelas Medidas Provisórias 926 e 935 de 2020, como antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o teletrabalho, redução de jornada, suspensão do contrato de trabalho, dentre outras medidas, das quais, inclusive, são tratadas em artigos anteriormente publicados.

Artigo realizado pela Sra.Danielle dos Santos Seghetto, bacharelando em direito na Faculdade Padre Anchieta.