05/10/2020

Plano de saúde pode negar cobertura de procedimento e medicamento, por conta do chamado “rol da ANS”?


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A recusa de atendimento dos planos de saúde quanto ao fornecimento de medicamentos e realização de procedimentos que não estão dentro do chamado “rol da ANS” movimenta nosso Poder Judiciário em larga escala, há tempos.

 

E podemos dizer, que a jurisprudência de nossos Tribunais sobre o assunto, ainda não é pacífica, mas de certa forma, caminha para dar maior valia a indicação médica, ou seja, se há expressa prescrição médica para que o paciente passe por determinado tratamento ou que, utilize determinado medicamento, como continuidade do tratamento à doença, seria abusiva a negativa do plano de saúde, principalmente, se fosse demonstrada a necessidade de tal procedimento/medicamento.

 

Importante esclarecer, que quando falamos em “medicamentos”, estamos falando de remédios utilizados em ambiente hospitalar, bem como, aqueles denominados de “alto custo”, e que se fazem necessários para a continuidade do tratamento da doença coberta pelo plano, e não os remédios farmacêuticos “tradicionais”.

 

Feito tal esclarecimento, conforme já mencionado acima, os Tribunais, em sua maioria, vêm seguindo o entendimento de que, o rol de procedimentos/medicamentos da ANS seria meramente exemplificativo, ou seja, o fato de determinado procedimento/medicamento não estar previsto em tal lista, não implicaria na possibilidade de o plano de saúde negar a cobertura.

 

Nesse sentido, podemos, inclusive, citar a Súmula nº 102 editada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, deixando claro o posicionamento de tal Tribunal, a respeito do tema:

“Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

 

O próprio Superior Tribunal de Justiça, também tem diversos precedentes neste mesmo sentido:

 

“(...) 2.  Ademais,  é  inadmissível  a  recusa do plano de saúde em cobrir tratamento médico voltado à cura de doença coberta pelo contrato sob o  argumento  de  não constar da lista de procedimentos da ANS, pois este  rol  é  exemplificativo,  impondo-se  uma  interpretação  mais favorável ao consumidor. (...)” (STJ - AgInt no REsp 1825755 / CE – Terceira Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgamento em 21/10/2019)

 

Importante ressaltar que, o chamado “Rol da ANS”, muitas vezes tem se demonstrado extremamente defasado com relação ao avanço da medicina, e, por vezes, encontrarmos medicamentos já aprovados pela ANVISA, portanto, já comercializados de forma ampla aqui no país, contudo, que ainda não constam no rol da ANS.  

 

Isso ocorre, principalmente porque, a atualização do rol da ANS, além de se dar a cada 2 (dois) anos, demanda uma série de fases burocráticas, pareceres diversos, dentre outros entraves, não acompanhando, de forma célere, a rápida evolução da medicina.

 

O entendimento sinalizado pelo Poder Judiciário, no sentido de que, o rol da ANS seria apenas exemplificativo, constituindo referencia de coberturas mínimas obrigatórias, mas não excluindo outras necessárias, por expressa indicação médica, para determinado tratamento de doença coberta pelo plano de saúde, nos parece mais ponderado, considerando, inclusive, as premissas do direito do consumidor e do direito à saúde.

 

Porém, uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, especificamente na 4ª Turma, Recurso Especial nº 1.733.013/PR, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, acendeu um “alerta” quanto a uma possível mudança da Corte Superior, com relação a natureza do “rol da ANS”.

 

A citada decisão foi publicada em 20/02/2020, com a seguinte ementa:

"PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE". (g.n)

 

Claramente, na decisão acima, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que, o rol da ANS seria TAXATIVO, portanto, a negativa dos planos de saúde em cobrir procedimentos e medicamentos que não estivessem em tal lista, não seria abusiva.

 

Ao se posicionar pelo reconhecimento da taxatividade do rol da ANS, o acórdão proferido pela 4ª Turma do STJ destacou o disposto pelo artigo 10, §4º, da Lei nº 9.656/98, o qual menciona que, "A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS".

 

Além disso, destacou o teor do artigo 4º, III, da Lei nº 9.961/2000, que confere à ANS a competência para "elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656/98 de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades".

 

Com base nestes fundamentos, a 4ª Turma concluiu que cabe à ANS regulamentar a abrangência das coberturas obrigatórias dos planos de saúde por meio da edição do rol de procedimentos. O que estiver no rol é de cobertura obrigatória, o que não estiver, não é, reacendendo assim a discussão sobre a matéria.

 

Não há como prever se esse será o entendimento que se manterá na Corte Superior, e nem muito menos, apaga as inúmeras outras decisões do próprio STJ em sentido contrário, ou seja, de que o rol da ANS seria meramente exemplificativo, contudo, demonstra que o tema ainda é controverso, e apesar de até aqui, ter caminhado mais para o lado do consumidor, ainda carece de pacificação.

 

Assim, em prestígio a segurança jurídica, é importante que o STJ, tão logo, conforme lhe autoriza o art. 1.036 do Código de Processo Civil (recurso repetitivo), pacifique o tema, e decida, de uma vez por todas, se o rol de procedimentos/medicamentos da ANS deve ser considerado taxativo ou não.

 

Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Quarta-Turma--lista-de-procedimentos-obrigatorios-da-ANS-nao-e-apenas-exemplificativa.aspx